quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Lírio e o avião.


Aerodromofobia, para quem não sabe, é o nome dado a quem tem medo de voar. E essa era a principal característica de Lírio que, desde criança, afirmava veemente que jamais entraria num avião.
Lírio gravava todos os programas de desastres
aéreos da Discovery channel e fazia questão de conta-los para seus amigos que insistiam em viajar de avião.
Sua determinação, muitas vezes considerada teimosia, fez com que Lírio perdesse boas oportunidades de emprego no exterior, uma namorada, promoções de viagens, palestras, cursos, e tudo mais que envolvesse a
necessidade de voar.
Casado a 6 anos com Sara, que se conformou em não ter uma lua-de-mel decente, Lírio também
colecionava matérias jornalísticas de acidentes ocorridos na história da aviação.
Eis que numa terça feira sua esposa foi ao
supermecado e animou-se com uma promoção cujo primeiro prêmio era uma casa mobiliada. Como havia feito as compras do mês teve direito a vários cupons, preenche-os com o nome do marido que era dono do cartão de crédito, e os pôs na urna.
Grande alegria e surpresa tiveram o apaixonado casal quando na manhã de domingo receberam uma ligação da central de
supermecados dizendo em alto e bom som que eles haviam sido sorteados. Infelizmente não para o primeiro prêmio, a casa, mas sim para o segundo e maravilhoso prêmio: Uma viagem para Paris com acompanhante. As passagens estavão em nome de Lírio Algusto do Moraes e, como em todo concurso, eram intransferíveis.
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Não posso acreditar que vou perder a viagem dos meus sonhos por causa desse medo idiota de voar! Gritava Sara indignada.
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Ou viajamos a Paris, ou pode pegar suas coisas e sair dessa casa. Concluiu a esposa depois de dias de discussões.
Vencido Lírio aceitou fazer a tal viagem.
Contagem regressiva para a morte anunciada.
- Falta uma semana, tenho que me despedir dos amigos. Faltam 2 dias tenho que deixar meu seguro de vida, testamento, plano de funeral, em dia. Pensava.
Chegou, então, o tão inesperado dia da viagem.
Lírio tomou todo tipo de
calmante sem preocupar-se com efeitos colaterais: 30 gotas de rivotril, 40 gotas de dramim e seu recém administrado anti-depressivo.
Ao entrar no avião observou o rosto de cada passageiro e das
aeromoças imaginando sua curta biografia sendo contada nos jornais que noticiassem calorosamente o acidente aéreo fatal do voo 158 - São Paulo - Paris.
Sentou-se. Tremia. Fechou as janelas para não ver a real altura. Escutou atentamente as normas de segurança gesticuladas pela comissária e decorou cada quase inútil
prossedimento.
- Atenção tripulação, decolagem autorizada. As palavras do piloto o fizeram desmaiar de pânico na poltrona. Um daqueles desmaios curtos, para sua tristeza.
Não aceitou o sanduiche de
perú e nem a bebida oferecida pela aeromoça. - Como alguém pode pensar em comer nessas horas? Disse para sua esposa que estava com a boca cheia do delicioso pãozinho.
Sara que, por culpa do marido, nunca havia viajado de avião, curtia cada momento. A linda paisagem das nuvens vistas lá de cima, o charme das perfumadas e bem
maquiadas comissárias, as mini-geléias de frutas do café da manhã, o peixe do almoço, a musiquinha nos fones de ouvido, o filme na telinha, os brindes, as conversas em outros idiomas nas poltronas ao lado...
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Como treme esse avião! Isso não deve estar certo! Reclamou Lírio apertando o botão que chamava a aeromoça.
Era uma fraca turbulência. Como outras que tiveram durante a interminável viagem.
Mas, como até o que parece interminável termina, o piloto anunciou a autorização para pouso e fez um pouso digno de aplausos da tripulação.
Alivio.
Mas seriam só 5 dias e logo teria que subir de novo no avião.
Paris era realmente tão linda quanto nos livros de viagem que Sara
colecionava!
Para Lírio, mal fazia diferença, em sua cabeça apenas a contagem regressiva de volta.
Cinco dias depois o ritual
mórbido dentro do avião se repetia. Pânico, sofrimento....
Oito e quarenta da noite o avião vindo de Paris faz pouso perfeito em
Guarulhos.
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Viu querido? Estamos vivos... Foram uma das últimas palavras de Sara.
Digo "últimas palavras" porque ao sair do aeroporto o casal toma um
táxi que, apressado em fazer o maior numero de viagens, se choca numa carreta na Marginal Tiête.
Nem o taxista, nem Sara e nem Lírio sobrevivem aos ferimentos do acidente fatal
.